ARTIGO - IGREJA, CARISMA E PODER

21 de Dec / 2018 às 23h00 | Espaço do Leitor

(Para Leonardo Boff, na passagem dos seus 80 anos)

Foi o livro Igreja, Carisma e Poder que motivou o processo de condenação do teólogo Leonardo Boff por parte da Congregação para a Doutrina da Fé, o antigo Santo Ofício, instância da Santa Sé responsável pela conservação da ortodoxia católica.

O livro, um marco da teologia da libertação, é um ensaio de eclesiologia ("eclesiologia militante", eis o subtítulo) e trata de temáticas que naquele início dos anos oitenta, 1981, (quando a obra veio a lume), norteavam a ação pastoral da Igreja, como o compromisso com os pobres, a identificação com as bases populares, a realidade das comunidades eclesiais de bases, o protagonismo dos leigos, dentre outros. Temáticas estas que, em anos anteriores, haviam sido assumidas pelas conferências episcopais de Medellín e Puebla.

Por ter escrito tal obra, Boff, que era religioso, da Ordem dos Frades Menores (Franciscano), e editor de importante revista da editora Vozes, a Revista de Cultura Vozes, foi submetido a “silêncio obsequioso", pelo período um ano, sendo proibido de escrever, pregar e manifestar-se em matéria de fé. 

Acuado de todos os flancos e cerceado no seu legítimo direito de expressão, Boff acabou pedindo dispensa do ministério sacerdotal, para continuar, como teólogo, exercendo com liberdade sua atividade intelectual. Seu inquisidor mor (ou carrasco mor), na época (1985), foi o então cardeal Joseph Ratzinger, mais tarde papa Bento XVI, que só não sepultou para sempre a Igreja porque a Providência enviou Jorge Bergoglio.

Na época, Ratzinger era o prefeito da aludida Congregação para a Doutrina da Fé, escolhido para o cargo pelo então papa João Paulo II. Boff foi acusado, julgado e condenado, sem ter sequer o direito de defesa. 

Os dois estão vivos para contar essa história. Mas a História, juíza suprema e incorruptível, já começou a fazer sua justiça. Joseph Ratzinger vive encerrado (ainda que voluntariamente) num palácio do Vaticano, cercado de pompas e circunstâncias, mas sem o brilho, o poder e a glória de outros tempos. Leonardo Boff continua militante irreprimível, e vive cercado do que há de mais precioso (muito mais do que a prata e o ouro dos palácios e basílicas de Roma): os pobres.

No futuro, Joseph Ratzinger, o inquisidor, será lembrado apenas como o papa que renunciou e que perseguiu intelectuais, teólogos e pastoralistas nos quatro cantos do planeta. (Isso não quer dizer que sua teologia ultraconservadora seja de todo esquecida). 

Já Leonardo Boff será lembrado como o teólogo que cantou a vida, que defendeu a mãe terra, que denunciou a rapinagem da elite do poder e do dinheiro, que exaltou a força e a luta dos pobres, que questionou o capitalismo selvagem, que ajudou a formular a Teologia da Libertação. 

E assim, a História haverá de dizer quem terá sido mais benéfico para a humanidade.

José Gonçalves do Nascimento
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