Miscelâneas

24 de Sep / 2019 às 23h00 | Espaço do Leitor

UM POUCO DE MIM

Nasci em Monte Santo, no Marruás. Fui aluno do Instituto de Educação Monte Santo, escola da qual guardo as melhores referências. No auge de minha juventude, resolvi ser padre e ingressei no Seminário. Num período de 12 anos, passei por seis seminários em lugares diferentes, sendo o último em Roma, na Itália, onde concluí o curso de Teologia e me habilitei para o ministério sacerdotal. Ordenei-me em Monte Santo, no ano 2000, e depois de atuar, por cerca de três anos, em algumas paróquias da minha diocese, Bonfim, decidi renunciar, passando a militar em outras searas. As andanças, todavia, não pararam e eis que hoje me encontro aqui nessa Pauliceia Desvairada, longe do sertão árido do Nordeste, mas perto de um outro sertão, não menos árido: o sertão de cimento, cal e concreto.

A leitura foi fundamental na minha vida. Diria que foi meu segundo nascimento. Foi na leitura que eu me descobri como pessoa, como cidadão, como sujeito... Sem a leitura eu não seria quem sou, não teria a concepção de mundo que tenho, não teria o senso de humanidade que tenho. A leitura me recriou, me redimensionou, me ressignificou, me reconduziu pelos caminhos da vida, das decisões, do discernimento. A leitura liberta, abre horizontes, previne contra o conformismo, semeia oportunidades, rompe o obscurantismo.

Como nasci e me criei no ambiente difícil da roça (naquela época tudo era pior) sem opção nem perspectiva, o hábito da leitura veio um tanto tarde. A mim só restava a enxada. Não que a enxada não tenha sua dignidade. Mas o ideal é que a enxada esteja acompanhada da caneta e do livro.  Então comecei tarde, mas comecei. Houve uma pessoa, um anjo da guarda, que contribuiu para isso. Trata-se da professora Maria Ferreira, Menininha, do meu Marruás, a quem aqui homenageio. Foi com o incentivo dela que reinicie na escola e foi aí que tudo começou.

Começou e nunca mais parou. Hoje não me vejo apartado da leitura. Preciso ler e ler sempre. Raro o dia que não leio, mesmo que seja uma página apenas. Aprecio particularmente a literatura, porque a literatura é o gênero que melhor traduz a essência das coisas, das pessoas, do mundo. Além de contribuir, é óbvio, para a formação do caráter, da personalidade e da humanização do ser humano no seu todo.

A partir do hábito da leitura, veio-me também o hábito da escrita. Comecei escrevendo cordel – ainda hoje eu leio e escrevo cordel e reputo este gênero como um dos mais belos. Depois do cordel, resolvi me aventurar em outras modalidades de criação, dedicando-me também à poesia à prosa.

Escrevo sobre as coisas com as quais me identifico. E uma das coisas com as quais me identifico é o sertão, com sua gente, suas coisas, valores. Sinto-me um pouco porta-voz dos que nunca tiveram voz, num contexto social injusto e marcado pela dominação secular. Os grandes têm seus cronistas, os ricos têm seus cronistas, os de “cima” seus cronistas. O povo, não. Quero ser um cronista do povo, do povo sertanejo, sofrido, oprimido, esquecido, vilipendiado na sua dignidade. Quero ser alguém que fale do povo e das coisas do povo. Alguém que use sua escrita, sua poesia, seu texto, para dialogar com o povo. 

José Gonçalves do Nascimento-Escritor

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