ARTIGO – STF: LAVANDO AS MÃOS?

17 de Nov / 2019 às 23h00 | Espaço do Leitor

Nada mais verdadeiro no dia a dia, do que a afirmativa corrente de que a história sempre se repete, e são muitos os acontecimentos que confirmam e retratam essa realidade. O episódio bíblico objeto da ilustração acima, por exemplo, traz-nos à lembrança o infame gesto de Pilatos, então Governador romano na região da Judéia, que se viu na incumbência de referendar a condenação de Cristo. Mesmo consciente da inocência do Mestre, preferiu passar ao povo a decisão quanto à quem libertar entre Cristo e Barrabás, e assim, diante de uma plebe enlouquecida e incitada pelos Sumos Sacerdotes, que gritava repetidamente “crucifica-o, crucifica-o”, optou por lavar as mãos da omissão e da covardia: “...mandando vir água, lavou as mãos” (Mat. 27: 24). O ato histórico materializou dois tipos de comportamentos que se incorporaram à cultura das pessoas e, em particular, das autoridades imbuídas do poder decisório: fugir da culpa e transferência de responsabilidade. 

Na última semana, a nação brasileira ficou estupefata e incrédula diante da decisão da nossa Suprema Corte de derrubar a prisão após a condenação pelo Tribunal de 2ª. Instância. Como Superior Tribunal Federal incumbido da defesa da Constituição Federal, é inacreditável que em 2016 tenha interpretado os artigos 5º. e 283 dessa Constituição quando reconheceu como correta a prisão e em 2019 já tem outro entendimento, e volta a valer a norma constitucional quanto ao Trânsito em Julgado. Então, entende-se que, para salvar os amigos muda-se a Lei e sua interpretação ao bel prazer é questão de oportunidade, e não o que ela quer dizer? Alguém ainda tem alguma dúvida de que os libertados da semana passada e os que anda virão, jamais voltarão ao lugar que merecem? 

Obviamente que eles não são detentores do grau da perfeição e infalibilidade, o que os ajustam muito bem no conceito da frase latina que reconhece que “errare humanum est”, ou seja: errar é humano. A complexidade do assunto não estimula a manifestação do cidadão comum quanto aos profundos aspectos jurídicos envolvidos, razão porque não tem o autor, também, essa pretensão de questionar S. Excelências quanto a essa particularidade.

Inadmissível é que condenados em 1ª. e 2ª. Instâncias por crimes sobejamente comprovados, sejam beneficiados por cerca de 20 ou mais recursos disponíveis e protelatórios, a exemplo do ex-Senador Luís Estêvão, Brasília-DF, condenado em 1992 por desvio de 169 milhões de reais em obra pública, e somente foi preso 24 anos depois! O jornalista Antônio Pimenta Neves assassinou a namorada Sandra Gomide e somente foi preso 11 anos depois! Isso para não enumerar as centenas de condenados da Lava-Jato, todos envolvidos em corrupção do mais elevado grau com o dinheiro público, numa dimensão em que a doação ou reforma de apartamentos e sítios por empreiteiras são crimes fichinhas, e até desprezíveis!

Diante de todo esse imbróglio jurídico, o recurso encaminhado ao Tribunal Regional de 2ª. Instância tem o seu julgamento praticamente inútil, porque ainda cabível o recurso ao STJ; e ainda, se processo de caráter constitucional, cabe recurso ao STF, surge a pergunta inquietante e com todo respeito: Qual a razão que justifica a existência desse Tribunal de 2ª. Instância, se as suas decisões podem ser revistas e anuladas pela Instância superior? Urge o Congresso promover uma reforma que valorize mais esse segmento da nossa Justiça! Do contrário, tudo caberá ao Superior do Superior, e aí tudo levará tempos até que em alguns casos venha o réu a morrer e nunca pagar pelos seus delitos. Vale lembrar que a prisão em 2ª. Instância não é uma invenção brasileira, porque já praticada em países do Primeiro Mundo, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal e Espanha, além do nosso vizinho, a Argentina. Portanto, não estamos inventando a roda!

Logo após o voto final que anulou a prisão a partir da 2ª. Instancia, o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, deu entrevista à imprensa em que ficava evidente um “mea culpa”. Não justificava o seu voto, mas transferia a outro Poder a responsabilidade de mudança: “o Parlamento pode alterar esse dispositivo. O Parlamento tem autonomia de dizer, nesse momento, de eventual prisão em razão de condenação. [...] Cada juiz deverá analisar se o condenado continuará, ou não, preso”! O leitor teve a mesma percepção que eu tive? Estava, ou não, LAVANDO AS MÃOS? Sim, a cena milenar se repete, e os Barrabás voltarão às praias, aos churrascos, às orgias e, oxalá, aos mesmos crimes!

Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – Salvador-BA.

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