Conto: Solidão

02 de Mar / 2020 às 18h00 | Espaço do Leitor

Conto do Juazeirense Edi Santana Barbosa intitulado " Solidão" selecionado no Concurso Nacional de Novos Escritores-CNNE. O mesmo estará no livro Coletânea  "Conte-me um Conto" com previsão de lançamento para o final deste mês.

Solidão

Sentado aqui no fundo nesta cadeira, na mesinha de bar, observo os transeuntes. Passam os carros, músicas, ideias, pessoas, menos você. Um músico a tocar na parte da frente do bar. Não toca só seu violão, ele toca sem permissão o meu coração e me deixa, sem perceber, desajeitado e constrangido.

Aqui nesta cadeira, nesta mesinha de bar aparentemente tranquila, serena, calma e inerte está apenas a minha matéria, pois minha alma está em estado de erupção, prestes a jorrar larvas de lágrimas por todos os lados.

Minha cabeça está a mil por horas, está a vagar a procura de sua imagem. Cada dedilhar no violão é uma tortura a minha alma, cada canção é uma lembrança de ti, cada melodia é um sussurrar da tua voz aos meus ouvidos.

E assim a noite vai passando nessa angústia intermitente e começo a achar que todos ao redor estão a me olhar como se estivessem fazendo a leitura de minha mente.

Fico desajeitado, tento levantar da cadeira e sair, mas não consigo. Agora o peso das pernas é outro empecilho, me sinto pesado, todo o corpo pesa. Que ironia! Sua ausência me causa esse peso. Por que fui sentar justamente no fundo? Agora com o bar lotado para sair tenho que encarar a todos, inclusive o tocador.

Olho para um lado e outro e não consigo ver nenhum conhecido que venha me cumprimentar e conversar comigo. Não, não tem, apenas casais desconhecidos enamorados, sorridentes e felizes. Ninguém para conversar e disfarçar minha angústia, tristeza e desespero. O que vim fazer nesta mesa, neste bar?

O garçom se aproxima e me oferece mais uma cerveja e eu desajeitadamente digo que sim, confirmando com o gesto da cabeça. Parece que me falta a voz. Ele demora um pouco e me serve a cerveja supergelada em uma tulipa e eu a engulo de vez. A garganta parece seca. É preciso hidratá-la e quando penso que o garçom já tinha ido embora ele volta e me pergunta se estou esperando alguém. Aquela pergunta me desmoronou, me deixou desajeitado e fico sem resposta de imediato, penso em mentir e dizer que sim, mas minha boca me trai

e diz não. Ele imediatamente emplaca a segunda pergunta se pode levar a outra cadeira vazia que está em minha mesa. Sem argumentos nenhum depois da revelação confirmo que sim. Agora me sinto completamente só e solitário. Aquela cadeira vazia na minha mesa de certa forma me fazia companhia.

O tocador parece que fez a leitura da minha alma solitária na mesa e não dá trégua, cada canção emendada é como um punhal a desferir vários golpes sem intervalo de tempo em minha alma. São canções de saudades, de solidão, de angústia, de amor. Elas tocam meus tímpanos como marteladas e me sinto cada vez mais desnorteado e sem graça. Meu rosto começa a soar bastante, penso em ir ao banheiro para molhá-lo e aliviar a tensão, mas percebo que minhas pernas estão trêmulas, então não esboço nenhum movimento.

O tempo vai passando angustiantemente devagar e o tocador parece não cansar, não faz um intervalo, seria o momento exato para minha fuga. O garçom, percebendo a garrafa de cerveja vazia em minha mesa, se aproxima novamente e oferece outra cerveja. Concordo de imediato e dessa vez ele já veio com ela nas mãos. Parece que ele sabia que não teria outra opção naquele momento se não aceitar. Abre a cerveja, enche meu copo e me pergunta se eu quero uma cadeira para compor minha mesa já que um casal próximo a saída tinha ido embora e a mesa estava vazia. Digo que não, afinal de contas não estou aguardando ninguém.

Continuo bebendo minha cerveja, me distraio um pouco até demais que não percebo que o tocador tinha dado o seu intervalo. Fico meio apavorado, engulo de vez o resto de cerveja que ainda tinha na garrafa, chamo o garçom sinalizando com gestos de mão, não falo para não chamar muito a atenção. O garçom se aproxima e peço para e fechar minha conta. Pago com o cartão de crédito, pois é mais rápido e não corro o risco de não ter o troco e ter que esperar.

Me aprumo em uma só direção: o da saída daquele bar. Começo a andar sem olhar nem para os lados e nem para trás. Parece que minhas pernas pesam toneladas, mesmo assim vou caminhando bem devagar em direção a saída.

Naquele momento olho de relance para o lado e vejo o tocador voltando para perto do violão. Tento apressar os passos, mas tenho cautela. Cair seria bem pior. Ele pega o violão, e como se estivesse me vendo e percebido toda a minha angústia e dilema para sair daquele recinto, toca um acorde e canta: “ Se ela me deixou a dor é minha só, não é de mais ninguém, aos outros eu devolvo a dor, eu tenho a minha dor”. Aquela música foi como um punhal desferido em minhas costas, quase tropecei e cair, me aprumei e sair daquele recinto chegando a porta do meu carro estacionado no meio fio da rua, mas naquele momento o vulcão de lágrimas já tinha entrado em erupção e lançado suas labaredas.

Edi Santana Barbosa

© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.