Famílias agricultoras realizam intercâmbio virtual de saberes

21 de Aug / 2020 às 14h03 | Variadas

Agricultoras e agricultores do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia) estão experimentando uma nova modalidade de intercâmbio de saberes através de rede social virtual. A proposta surgiu da necessidade de manutenção das relações sociais e da interação entre as famílias agricultoras no contexto do isolamento físico imposto pela pandemia.

Como as reuniões presenciais do Fórum foram suspensas, as trocas de experiências se intensificaram via whatsapp. Com a mediação do Centro de Ação Cultural – Centrac, cerca de 60 participantes têm promovido uma série de debates via rede social sobre temas relacionados à agricultura familiar agroecológica e diariamente divulgam fotos e vídeos de suas produções vegetais e animais, compartilham saberes e experiências exitosas, tiram dúvidas com outras famílias agricultoras e programam troca e/ou resgates de sementes para o retorno das reuniões presenciais.

 Segundo a coordenadora do Programa Desenvolvimento Sustentável, Madalena Medeiros, do Centrac, resgatar as histórias das sementes é fundamental para que as novas gerações compreendam a importância de preservar e guardar. “As famílias agricultoras têm se identificado como guardiãs e visibilizado que conservar e cuidar das sementes é também guardar os saberes a elas associados, a sua história na medida em que as sementes são memórias afetivas, bem material e imaterial e patrimônio de herança familiar. Neste sentido é necessário passar esse patrimônio de mãe e pai para os filhos, pois só podemos cuidar e conservar aquilo que conhecemos a história e aprendemos a valorizar”, ressaltou Madalena.

O agricultor Givanildo, de Aroeiras, possui a semente de milho sabugo fino que herdou de sua avó, que já herdou dos pais, ela tem 99 anos. “As sementes estão na família há mais de 100 anos. Minha avó vem guardando a semente de milho com muito cuidado e agora eu estou multiplicando e fazendo o mesmo. Guardar a semente e compartilhar é muito importante. Sempre que posso eu troco ou faço doações para os amigos, para que a gente sempre tenha semente saudável e de qualidade”, reafirmou Givanildo.

O feijão carioca, preto e a faveta são as sementes vegetais da agricultora Maria Inês de Andrade, do Sítio Cabral, no município de Mogeiro. A Agricultora conta que sempre planta os feijões através do semeio abafado, prática que teve início na comunidade com o agricultor Orácio Vicente, no ano de 1932. “Orácio fez o plantio de milho, feijão e fava, mas adoeceu no período de limpar o roçado. Quando se recuperou viu que tinha perdido toda a lavoura. Então ele jogou novas sementes de feijão no mato. As sementes brotaram e ele teve lucro. Os vizinhos viram a experiência e começaram a fazer também”, disse Inês, reforçando ainda “se o ano for chuvoso, a gente tem duas colheitas: a do roçado que limpa e a do semeio, que a gente vareda o mato, joga a semente e depois que o mato cobrir a gente só arranca. São sementes agroecológicas, sem agrotóxicos”, concluiu Inês.

No grupo, as famílias também compartilharam diversas estratégias de multiplicação e conservação das sementes da paixão tanto vegetal como animal. Como estratégia de multiplicação destaca-se os campos de multiplicação de sementes coletivos e familiares de conservação os Bancos Comunitários de Sementes, também coletivos e familiares.  Alguns municípios já possuem Bancos Comunitários de Sementes, como em Aroeiras, Umbuzeiro, Campina Grande, Fagundes, Mogeiro, Natuba, onde as famílias que perderam sementes podem fazer um empréstimo e devolver a semente quando lucrarem.

Alguns animais, como as galinhas de capoeira, porcos, cabras, ovelhas, perus guinés e até gado são sementes da paixão de muitas famílias. Estes animais também passam de geração em geração, sendo conservados, manejados e alimentados. Pelos relatos a criação animal representa uma poupança, fonte de proteínas, renda e autonomia das famílias. A agricultora Maria José do Nascimento, mais conhecida como Mazé, da comunidade Massaranduba, em Aroeiras, tem as vacas, os porcos e as galinhas de capoeiras como suas sementes da paixão.

“Desde que eu casei que a gente tem as vacas, que já foi semente herdada do meu marido. Mas cada animal é essencial na nossa propriedade. As galinhas de capoeira a gente se alimenta e eu também vendo os ovos na feira, com o soro do queijo feito com o leite das vacas, eu alimento os porcos e o milho que a gente produz também serve de alimento para os animais”, contou Mazé. Com o exemplo, a agricultura demonstrou como a agricultura de base agroecológica é pouco dependente de insumos externos.

Outro tema debatido pelo grupo é o armazenamento de forragem como estratégia de convivência com o semiárido. O objetivo é trocar experiências e saberes com relação às diversas formas de armazenamento de ração para criação animal, com destaque para a fenação e ensilagem e estimular o armazenamento. A ensilagem ou fenação são práticas utilizadas para garantir alimentação de qualidade para os animais, aproveitando a forragem produzida nas propriedades. Entretanto há relatos também da produção de farelo de milho e de feijão guandu, a reutilização de restos de comida, culturas e uso do soro como ração para criação animal.  Tanto no debate sobre sementes como no debate de armazenamento de forragem ficou muito visível o papel das mulheres na multiplicação e conservação da agrobiodiversidade nos quintais agroecológicos.

O debate virtual também se ampliou a outro grupo de agricultores e agricultoras familiares acompanhado pelo Centrac, que tem levantado algumas questões e apresentado soluções para problemas detectados em algumas tecnologias sociais, como Reuso de água e Biodigestores, assim como formas de manejo adequado para as mesmas. “Neste grupo de intercâmbio os agricultores foram compartilhando suas experiências e a partir delas conseguimos melhorar o manejo, mesmo que à distância, dois biodigestores que estavam com problemas nas comunidades. Isso foi muito bom para animar o trabalho e saber que as soluções podem surgir de experimentos realizados  numa comunidade e que pode dar certo na nossa realidade também”, afirmou Zilma Maximino, assessora técnica do Centrac.

A experiência tem permitido a inclusão de pessoas que não dominam o código escrito, pois valoriza as postagens de fotos, pequenos diálogos de texto, seguidos de mensagens de áudios e vídeos produzidos pelas famílias agricultoras. Além disso, Tem permitido visibilizar o quanto as sementes da paixão vegetal e animal são fundamentais para a segurança alimentar e nutricional das famílias.

No contexto do “agosto lilás”, está previsto ainda um debate sobre a divisão justa do trabalho doméstico e a violência contra as mulheres. O intercâmbio de experiências faz parte das ações desenvolvidas pelo Centrac junto ao Fórum de Lideranças do Agreste (Folia) e conta com o apoio de Misereor, Embaixada da França e CCFD Terre Solidaire.

Ascom Centrac

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