Avaliações sobre acessibilidade de aplicativos são escassas, mas suficientes para revelar falhas graves

02 de Jun / 2023 às 19h30 | Variadas

No mínimo, as tecnologias deveriam ser desenvolvidas para atender às necessidades de todas as pessoas, sem distinção alguma. No entanto, o Grupo de Pesquisa em Acessibilidade Digital, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, concluiu que, apesar do escasso número de avaliações dos usuários com deficiência visual ou condições oculares – fotofobia, daltonismo, baixa visão – em aplicativos, os feedbacks são suficientes para revelar falhas graves nas usabilidades dos aplicativos. Geralmente, as avaliações são utilizadas para aprimorar o refino das interfaces, ou para que os desenvolvedores projetem um novo software. 

“As avaliações não são suficientes numericamente. Imagina só, você tem um aplicativo com um bilhão de downloads. Mas, só há 300 pessoas questionando sobre acessibilidade. Por mais que deem feedbacks, as empresas responsáveis por essas tecnologias não priorizarão adotar novas posturas”, explica Marcelo Eler, coordenador da pesquisa e professor da EACH. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 36 milhões de pessoas no mundo são cegas e outras 217 milhões têm baixa visão. No Brasil, a ausência de dados atualizados por meio do Censo prejudica estimar atualmente dados mais precisos.

O estudo é resultado das pesquisas de doutorado de Alberto de Oliveira e Paulo dos Santos, do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Informação (PPgSI) da EACH, sob a orientação de Marcelo. Além disso, a pesquisa teve a colaboração de Wilson Júnior e Danilo Eler, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Wajdi Aljedaani, da Universidade do Norte do Texas (UNT), nos Estados Unidos. Eles observam que é “preciso que o mecanismo de avaliações seja explorado para deixar evidente às empresas que os problemas de usabilidade existem, importam e têm consequências sérias.”

No artigo Analyzing Accessibility Reviews Associated with Visual Disabilities or Eye Conditions o grupo apresenta, de forma inédita, a avaliação de mais de 180 milhões de usuários que utilizaram os 340 aplicativos mais baixados – compostos dos dez aplicativos mais populares dentre 34 categorias, como entretenimento, livros e jogos – da Google Play, ou Play Store, como popularmente é mais conhecida a loja de aplicativos do sistema Android. Os resultados evidenciaram que apenas 0,003% mencionam deficiência visual ou condições associadas nas avaliações. 

Além disso, comentários positivos, como possibilidade de leitura de tela, são geralmente associados a pontuações altas e feedback negativos, como impossibilidade de configuração do tamanho da fonte, com pontuações mais baixas. No total, 936 das críticas (18,7%) foram positivas e 4.063 críticas (81,3%) foram negativas. Apenas 228 dos 340 aplicativos analisados têm pelo menos uma revisão de acessibilidade. O Facebook foi o app mais criticado por oferecer poucos recursos acessíveis, seguido do Gmail e Instagram. Já a versão You Version Bible, da Bíblia, foi a mais bem avaliada por oferecer audiodescrição, possibilidade de configurar tamanho da fonte e alteração de cor. 

“Para as pessoas sem deficiência, alguns desses comentários avaliando positivamente, solicitando melhorias, ou expondo alguma reclamação, podem parecer um detalhe ou uma frescura. E não é! A ausência de interfaces acessíveis impede as pessoas de serem autônomas, pois precisarão de alguém para auxiliá-las, como, por exemplo, num pedido de entrega de alimentos”, explica Marcelo ao mencionar a necessidade de evidências empíricas para romper com esses preconceitos ou atitudes capacitistas, ou seja, discriminação às pessoas com alguma deficiência. 

PROBLEMAS RELATADOS-Apesar do avassalador desenvolvimento dos softwares nos dias de hoje, o pesquisador relata que o foco das empresas de tecnologias não se baseia no desenvolvimento social. Com algumas exceções, tudo é projetado em torno do lucro e da competitividade. E, para isso, infelizmente, acabam estabelecendo interfaces a um público sem deficiência – , que desrespeitam as pessoas que necessitam de ícones mais acessíveis para garantir o uso. 

“Incorporar acessibilidade demora. Por isso muitas das versões iniciais dos apps não se preocupam com essa questão. Eu tenho a percepção de que as organizações que mais investem em tecnologias acessíveis são os bancos. Neste caso, além de promover  inclusão digital e seguir a legislação, entendem bem que um ambiente inclusivo definitivamente atrai mais clientes!”, critica ele.

No estudo, dentre as 4.999 avaliações dos usuários, os pesquisadores concluíram a presença de 36 tipos de deficiência ou condições associadas a problemas oculares: deficiência visual (2.207), cegueira (823) e fadiga ocular (559). Somado a isso, eles apresentaram também que os feedbacks detalham condições físicas, deixando evidente que não são questões de preferência, mas barreiras digitais, que os impedem de utilizar plenamente determinadas funções. 

A mudança na postura das empresas de tecnologias não pode ser reflexo de uma atitude pessoal de um programador ou designer, segundo Marcelo.  “A acessibilidade não pode ser pensada como motivação pessoal de pessoas que entendem de acessibilidade. Ao contrário, deve ser uma política executiva, ou melhor, coletiva!”, aconselha, ao relatar o trabalho colaborativo dos usuários com ou sem deficiência.

As avaliações continham comentários relacionados a pontos positivos de acessibilidade, como permissão para utilizar o recurso de leitura de tela,  melhorias, como indicação da incrementação de determinada função, ou problemas, que impediam severamente a autonomia dessas pessoas no uso dos apps, como a impossibilidade de aumentar o tamanho da fonte utilizada.

Para cada aplicativo, as barreiras encontradas são específicas. Por exemplo, usuários com daltonismo possuem severas dificuldades de utilizarem o Google Maps, que utiliza cores atribuindo significados, como o uso de vermelho para indicar trânsito. No caso das pessoas com fotofobia e fadiga ocular, os resultados indicaram que o Facebook, Kindle, YouTube, WhatsApp, Messenger e Gmail, redes em que se gasta mais tempo utilizando, as avaliações foram mais negativas em virtude da ausência de modo escuro – mais confortável aos olhos – e excesso de luz branca na tela.

Confira na integra aqui reportagem. Texto: Danilo Queiroz Arte: Carolina Borin Garcia 

 

Jornal da USP

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