Primavera sem Marielle: o tempo da vida e da justiça

Seis meses da execução de Marielle neste mês de setembro. O que coincide exatamente com a campanha eleitoral para o período de 2019 a 2022. Qual a relação entre o ataque contra Marielle Franco, sua ação política e as eleições no Brasil?

Além de vermos números de homicídios nos discursos de campanha, um aparente interesse pelo voto feminino ou ainda a afirmação da importância da representação de mulheres, população negra e LGBT, é oportuno posicionar a violência contra Marielle e Anderson como uma forte mensagem que convive com a contagem do tempo de quem pode viver e como.

Marielle Franco é o nome de uma mulher “negra, mãe e cria da favela da Maré” – como ela mesma se definia publicamente - que se tornou nacionalmente e internacionalmente conhecido por uma episódio de terrível violência em 14 de março deste ano, na cidade do Rio de Janeiro, onde Marielle ocupava o cargo de
vereadora para o período de 2017 a 2020.

Os treze tiros contra o carro da vereadora ainda não tiveram uma resposta pública. Embora o dever de resposta aos familiares de Marielle e Anderson recebam solidariedade e comoção popular, importa também posicionar outros significados da execução de Marielle para todos e todas nós, de perto ou de longe, que conheciam ou não a vereadora. E principalmente para mulheres negras no espaço público e defensores/as de uma pauta a favor das pessoas historicamente discriminadas na sociedade brasileira.

A palavra execução sumária é carregada de elementos que demarcam a forma como a pessoa foi atingida, o contexto e o envolvimento de agentes estatais. Dessa maneira, o crime em questão distingue-se do homicídio cometido entre iguais, entre civis. É um crime que ganha força a partir do lugar que os agentes envolvidos ocupam na sociedade. Agentes do Estado não é uma categoria que se limita à noção de policiais, atividade pública que detém maior proximidade com armamentos e com a investigação, mas à noção de agentes com capacidade de comando e controle bem distintos de qualquer cidadão que se julgue valente ou justiceiro.

A atuação da pessoa atingida comunica bastante sobre o contexto de interesse sobre a ação violenta, por isso a repetição de que Marielle Franco era uma defensora de direitos humanos não é algo banal. Se o ataque a uma defensora dos direitos humanos assusta no Brasil, ameaças e ações cometidas pela sua atuação a favor de direitos - quando esta ocupa um lugar de representação política - o que poderiam representar?

A não resposta sobre a execução da vereadora passa a significar medo e insegurança para quem busca ocupar os cargos de representação política a partir de um viés de defesa de direitos, a partir de uma perspectiva que contrarie interesses poderosos e tradicionais. Os seis meses sem uma resposta pública, se por um lado colocam na agenda de candidatos e candidatas a indignação pela morte de uma vereadora negra, lésbica e da favela, por outro deixam no ar um clima de insegurança para quem pretende chegar aos mais altos postos da representação política. Ao mesmo tempo, alimentam um feroz desejo de eliminação de quem se apresentar como “ousada/o” na esfera pública.

O tempo de uma resposta vazia das instituições de segurança e justiça, nesses seis meses de execução de Marielle e Anderson, é também o tempo que ameaça a vida de muitas ideias e ações políticas que desejam chegar para promover transformações sociais.
 

*Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco

 

Carla GiseleHistoriadora