ARTIGO – LAVANDO AS MÃOS... PARA O POVO?

Nada mais intrigante do que aquilo que se assiste no país nos dias atuais, em que muito se fala da harmonia entre os Poderes da República, condição prevista no Artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, e ao mesmo tempo se convive com um descontrole verbal dos seus representantes que só estimula os conflitos entre eles, notadamente entre o Executivo e o Legislativo. Tem sido muito frequente a falta de coerência entre o discurso e a prática, bem como a inexistência de seriedade e firmeza entre o que é dito hoje e o que se repetirá amanhã. Trocando em miúdos, é um verdadeiro disse me disse, que maricas perdem feio.

Basta ver o quanto existe de inconsistência na comunicação entre o Presidente da República e o Presidente da Câmara de Deputados, por cuja Casa do Poder Legislativo se inicia a caminhada de qualquer Projeto do Executivo, a exemplo da importante Reforma da Previdência. Repercutiu negativamente o amadorismo de ambos, seja pela postura assumida ou a infelicidade das palavras pronunciadas. Do lado do Presidente da República e sua equipe de Coordenação política, é inconcebível que se omitam de ocupar o espaço devido da articulação para arregimentar os votos dos Deputados a favor da Reforma. Mais grave, ainda, foi a atitude de outorgar essa missão ao Presidente da Câmara, e logo depois declarar à imprensa que “a bola está com ele, já fiz a minha parte”, como se estivesse a LAVAR AS MÃOS. 

É constrangedor para os brasileiros testemunhar um bate-boca de baixo nível entre duas autoridades da República, justamente no momento em que o diálogo é fundamental para viabilizar as Reformas. Por melhor que sejam as intenções do Presidente Bolsonaro, é impositivo que esqueça um pouco a sua formação militar e raciocine que para o funcionamento do Sistema Democrático é fundamental ter habilidade para superar as dificuldades com o Legislativo e saber conviver com os contrários. Assim como o Congresso não pode impor os seus desejos ao Governo, também este irá se deparar com limites às suas vontades. Pelo jeito, e no passado dos anos mais duros, as interlocuções existiam e muitas vezes funcionavam muito bem! Lembro do Chefe de Gabinete Golbery do Couto e Silva, que na antessala do Governo e com seus superpoderes resolvia os bombardeios viessem de onde viessem, sem importar se era da direita e/ou da esquerda.

Está tão evidente o alto grau de divergência que permeia a relação entre os dois Presidentes, que o Rodrigo Maia jogou pesado contra o Bolsonaro ao declarar: "Agora está na hora de a gente parar de brincadeira e está na hora de ele sentar na cadeira dele, de o Parlamento sentar aqui e a gente resolver em conjunto os problemas do Brasil". Seria uma definição legítima e verdadeira se não soasse apenas como uma autodefesa ou jogo de cena, contrariado que está depois do episódio que envolveu a prisão do ex-ministro Moreira Franco, que é padrasto da sua esposa. Através desse clima conturbado com o Bolsonaro, por via indireta, é notório que o Maia quer atingir, também, o Sérgio Moro, Ministro da Justiça, e com vínculo e identificação direta com a Lava-Jato. 

A repentina paz selada na última quinta-feira, dá bem o tom da fragilidade da briga pública entre os três, resultando em expressões melosas, como: “foi uma chuva de verão”, “o céu está lindo”, o assunto é “página virada”!

Torna-se imprescindível que todos esses atores que integram o cenário político nacional, tenham a consciência do grau de responsabilidade de cada um na execução de um novo projeto de reconstrução política, econômica e social do país. Bem afirmou o leitor Eden Feldman, Foz do Iguaçu-PR, em seu feliz comentário na crônica anterior, quando disse: “[...] fico imaginando se os políticos um dia chegarão a um consenso no Brasil: que o objetivo principal é a plena união para sermos uma grande nação”, e mais “[...] que deveriam ser os condutores do destino dos brasileiros, mas preferem o jogo do poder”. Ou seja, eles continuam sempre lavando as mãos... para o Povo!

Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público - Aposentado do Banco do Brasil (Salvador-BA).