Nota sobre a metodologia de cobrança pelo uso dos recursos hídricos na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

A Lei Federal nº 9.433/1997, a Lei das Águas, confere como uma das competências dos comitês de bacia hidrográfica estabelecer os mecanismos e os valores a serem cobrados dos respectivos usuários de água na sua área de atuação. Esta mesma Lei estabelece que compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos deliberar sobre as questões que lhe tenham sido encaminhadas pelos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ou pelos Comitês de Bacia Hidrográfica.

No ano de 2008, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) sugeriu ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) os valores a serem cobrados na bacia por meio da Deliberação CBHSF nº 40/2008 e seus anexos. O CNRH aprovou esta metodologia e seus respectivos valores em 13/04/2010, por meio da Resolução CNRH nº 108. Esta aprovação marcou o início da cobrança pelo uso dos recursos hídricos na bacia hidrográfica do rio São Francisco, operacionalizada pela Agência Nacional de Águas – ANA.

Com o passar dos anos, os valores unitários cobrados aos usuários, conhecidos por Preços Públicos Unitários (PPU), ficaram defasados pois representavam, no ano de 2008, R$ 0,01 por metro cúbico de água captada. Desde a aprovação, nunca houve reajuste ou recomposição do valor, corroído pela inflação neste período.

Além disso, quando fora aprovada a metodologia, em 2008, os usos da água destinados aos fins agropecuários receberam um fator redutor de 0,025 sobre o total cobrado pela água captada no rio São Francisco, funcionando como uma espécie de subsídio ao setor agropecuário. Quando se multiplica o fator redutor pelo PPU da água captada, o seu custo unitário cai a R$ 0,00025 por mil litros de água.

O Contrato de Gestão firmado entre a Agência Nacional de Águas (ANA), a Agência Peixe Vivo (entidade delegatária) e o próprio CBHSF, estabeleceu como uma das metas deste Contrato, a atualização da metodologia de cobrança, anteriormente aprovada em 2010 pelo CNRH.

No ano de 2016, a Agência Peixe Vivo contratou uma consultoria especializada em gestão de recursos hídricos para executar esta atualização. Ao longo daquele ano, a consultoria avaliou, através de pesquisas, a realidade dos diversos usuários das águas nas diferentes regiões fisiográficas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e discutiu o assunto durante vários meses na Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Comitê, estabeleceu prazos e obteve contribuições dos setores produtivos (incluindo irrigação, saneamento, mineração, indústria e outros) a fim de avaliar qual seria o impacto financeiro de uma nova metodologia de cobrança. Os trabalhos aconteceram com o acompanhamento de membros do comitê e de usuários de água da bacia, incluindo representantes do setor de irrigação.

Todos os requisitos processuais foram observados pelo CBHSF durante a construção de uma nova metodologia de cobrança. Os setores produtivos da bacia (pagadores) foram ouvidos e puderam contribuir para a concepção deste novo modelo de cobrança pelo uso da água.

Além disso, para não deixar o assunto apenas restrito ao setor produtivo, o CBHSF organizou quatro audiências públicas em cada uma das regiões fisiográficas do Velho Chico (Alto, Médio, Submédio e Baixo) para dar amplo conhecimento público do resultado da pesquisa, dos debates na Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC), bem como da minuta de metodologia e proposta de atualização de preços que seria posteriormente enviada à consideração da Plenária do CBHSF.

A proposta de uma nova metodologia de cobrança foi finalmente aprovada em reunião plenária do CBHSF, por ampla maioria, no dia 25/08/2017, conforme estabelecido na Deliberação CBHSF nº 94/2017. O passo seguinte seria apresentar esta nova metodologia ao CNRH. Uma vez encaminhada ao CNRH, a proposta apresentada pelo CBHSF tramitou longo tempo na Câmara Técnica de Outorga e Cobrança (CTOC) do Conselho Nacional, a quem compete dar a palavra final, bem como em sua Câmara Técnica Institucional e Legal (CTIL) antes de ser encaminhada ao Plenário do mesmo CNRH, onde têm acesso representações de usuários das águas de todo o país, inclusive do setor agrícola nacional.

No dia 28/06/2018, em reunião plenária do CNRH, a nova metodologia de cobrança proposta pelo CBHSF, foi finalmente aprovada por ampla maioria no Conselho, não restando dúvidas da sua transparência e coerência para com os princípios da gestão de recursos hídricos.

É evidente que a nova metodologia trouxe diversas mudanças, dentre as principais, salienta-se que os fatores redutores do valor cobrado somente serão aplicáveis nos casos em que o usuário de água demonstrar que possui boas práticas no uso da água, ou seja, as reduções não se aplicam mais a todos os usuários. Para aqueles irrigantes que demonstrarem que adotam manejo da irrigação e boas práticas de conservação do solo, o desconto no valor cobrado é de 44% (quarenta e quatro por cento).

Além disso, o valor do PPU foi reajustado em 20%. Somente entre 2008 e 2017, a inflação acumulada conforme o índice IPCA foi superior a 70%.

Os valores atualmente cobrados na bacia hidrográfica do rio São Francisco são perfeitamente compatíveis com aqueles cobrados em outras grandes bacias brasileiras como é o caso do rio Paraíba do Sul e rios Piracicaba-CapivariJundiaí.

Os estudos elaborados pelo CBHSF no ano de 2016, indicam que os setores produtivos, entre eles o agronegócio, não serão inviabilizados em razão de uma nova metodologia de cobrança, muito pelo contrário, mesmo os valores atuais ainda são bem modestos e podem perfeitamente ser absorvidos pelo setor produtivo.

Na atual conjuntura brasileira, a água já não deve ser vista como um recurso natural ilimitado e inesgotável, mas sim como um insumo produtivo de primeira ordem, necessário à produção e que é dotado de valor econômico, capaz de produzir riqueza e desenvolvimento para as regiões que têm o privilégio de possuir este recurso em boa qualidade e de forma abundante. Certamente, a água é o insumo que menos onera o custo de produção do setor produtivo, sobretudo o agropecuário. Além disso, a cobrança pelo uso da água não se configura como um imposto, mas sim como uma espécie determinada de tarifa cujos valores arrecadados retornam inteiramente para uso na gestão participativa dos recursos hídricos da própria bacia que os originou. Neste sentido tem um alto valor pedagógico para sinalizar que já passa da hora de todos considerarem a gestão das águas como uma das prioridades máximas do nosso tempo.

Todas as legislações citadas e estudos realizados estão disponíveis no site do CBHSF para download (www.cbhsaofrancisco.org.br).

CHBSF