ARTIGO - AS PERNAS CURTAS DA MENTIRA

Crônica publicada em 18/01/2015 – Redimensionada

Frequentar ambientes públicos, como bares e restaurantes, às vezes surgem oportunidades muito especiais de observar atitudes e, mesmo involuntariamente, ouvir diálogos de toda natureza entre os circundantes que permitem extrair experiências do comportamento das pessoas, e até mesmo encontrar sugestão e inspiração de temas para alguma crônica, como é o caso do presente texto.

Dentre os muitos episódios que ensejam esse campo de observação, um deles é marcante nessa hora da refeição, quando é comum se assistir a verdadeiras batalhas entre pais e filhos em razão dos pais insistirem em dar aos filhos o alimento que eles julgam ser o mais adequado, e os filhos a recusarem sempre, alegando em alto e bom som, que “não gosto disso!”, acompanhado sempre de choros e gritos estridentes para tentar impor a sua vontade. É o tradicional “calundu”. Mas, de repente, os pais reconhecem que mais vale a força do argumento do que o argumento da força, e tudo se resolve com doses de carinho e amor.

Nesse ingênuo conflito familiar que presenciei esta semana num restaurante em Itacaré-BA, captei no desabafo de um garoto que devia ter uns 4 anos, uma lição cheia de verdades que pode se ampliar para aplicação na vida prática, e mesmo nas reflexões sobre o mundo político atual. Com a voz ainda embargada pelos soluços, não é que ele teve um instante de lucidez, conteve repentinamente o choro, se acalmou e tentou dizer ao pai a razão da sua revolta? “Mentir é feio... e você mentiu pra mim!”. A frase foi muito forte e dura para um pai ouvir. De súbito comentei com a minha esposa o quanto havia de verdade naquele desabafo do garoto, visto que faz parte da educação passada pela grande maioria dos pais, no sentido de que não se deve praticar na vida a mentira, mas a todo instante mentem para os filhos ou os induzem à mentira. Por exemplo, em casa o garoto atende a uma chamada telefônica para o pai ou a mãe, e estes, impensadamente, orientam-no a responder: “diga que não estou em casa!”.  Atire a primeira pedra, quem já não agiu assim!

No campo das relações entre governantes e governados, onde deveria haver o respeito mútuo, o que dizer de tantas obras públicas que às vezes são inauguradas solenemente e jamais entram em funcionamento porque o projeto não foi concluído? O leitor já deve estar lembrando de muitos maus exemplos comentados pela imprensa, que tratam de projetos públicos que foram várias vezes inaugurados solenemente, com corte de fita e muitos fogos, somente para render dividendos eleitorais, mas levam anos sem funcionar, efetivamente, porque foram apenas maquiados para enganar o eleitorado. Após paralisados por algum tempo, logo são beneficiados por aditivos que investem mais dinheiro público e elevam os seus custos de forma absurda e vergonhosa. E essa mentira tem outro nome que todos bem sabem!

Só para lembrar ao leitor, em 2013 o Tribunal de Contas da União-TCU mandou parar 31 obras federais para investigar o uso ilegal de dinheiro público. Só nessas obras sob suspeita, R$ 23 bilhões estavam em jogo. Cito alguns projetos infestados de mentiras ao longo da sua execução: a) A Ferrovia Norte-Sul, projeto federal de 3.700 km, entre Açailândia-MA e Estrela d`Oeste-SP, concebida e iniciada no Governo de José Sarney em 1987, já dura 28 anos (!), e já fizeram 8 inaugurações de trechos! b) Um hospital de quatro andares e 136 leitos, construção parada há dez anos, em uma cidade como Cuiabá-MT, está dominado pelo mato; o Governo do Estado diz, simploriamente, “que a obra já está ultrapassada, não serve mais para abrigar doentes”; c) Usina de Belo Monte, no Pará, prevista para 2014, adiada para 2015; custo inicial R$ 7,0 bilhões e o custo atual já está em R$ 28,9 bilhões! Onde vamos parar? Ainda tem aqueles que de tanto repetirem uma mentira, acreditam ser verdade! A esses podemos chamar de lagartixas mentirosas, sem pudor, sem nada!

Não se educa honestamente um povo se a prática dos governantes é passar-lhe constantes inverdades. Aquele garoto do caso citado, diria entre lágrimas: “Mentir é feio... e você mentiu pra mim”! Mas, cuidado, segundo o adágio popular: A MENTIRA TEM PERNAS CURTAS! 

Autor: Adm. Agenor Santos, Pós-Graduação Lato Sensu em Controle, Monitoramento e Avaliação no Setor Público – Salvador-BA.