Artigo: O ódio a jornalistas como estratégia política

A presença ativa nas redes sociais é parte essencial da atividade de um jornalista na era digital e requer certas habilidades para manter a relevância social do seu trabalho, a segurança e o equilíbrio e, em última análise, para não enlouquecer.

É estar sob pressão constante, na mira de pessoas mal-intencionadas, assediadores e bots, num movimento de ódio (hate movements) impressionante e preocupante. Jay Rosen, jornalista e autor do PressThink, um blog sobre jornalismo e suas provações, explica que esses movimentos de ódio são mobilizados contra um grupo específico de pessoas para fins políticos.

Mais preocupante ainda é quando jornalistas são o alvo deste movimento de odiadores (haters, do termo original em inglês), colocando em risco as liberdades de expressão e de imprensa, a integridade física, moral e psicológica desses profissionais. Rosen argumenta que objetos de ódio precisam de nomes e usa como exemplo a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seu relacionamento permanentemente conflituoso com a imprensa. Curiosamente, aqui no Brasil, temos um presidente que faz da mídia o seu objeto de ataques, declarando publicamente que jornalistas e organizações que veiculam notícias são mentirosos.

Em umas das mais recentes declarações, Jair Bolsonaro acusou o jornal Folha de S.Paulo de “descer às profundezas do esgoto”. A reação foi provocada pela série de reportagens que o jornal tem feito desde o início do ano sobre suspeitas de fraude no Partido Social Liberal (PSL), desvios de verba com esquemas de “laranjas” e caixa 2 para a campanha do atual ministro do Turismo, o deputado Marcelo Álvaro Antônio, eleito por Minas Gerais, e o próprio Bolsonaro. Em um editorial, a Folha de S.Paulo problematiza a temática, reforçando o papel da imprensa em informar, cobrando esclarecimentos do governo sobre as acusações ao jornalista.

Acusações sem fundamentação, vazias e de uma retórica torpe, seguidas do apoio da própria Secretaria de Comunicação do governo. O chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, usou o Instagram no dia 6 de outubro para incentivar boicotes publicitários à imprensa. Já o ex-juiz Sergio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública, mais uma vez usou sua conta no Twitter em defesa do seu chefe, deixando implícito que teve acesso ilegal aos dados sigilosos do inquérito sob comando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Em entrevista, o influente antropólogo Eduardo Viveiros de Castro definiu a atual conjuntura que o país vive: “A gente chegou numa situação, no Brasil, em que você tem que usar um vocabulário da psicopatologia”.

“Ministro entrega ônibus escolares comprados na gestão anterior e diz ‘fazer muito com pouco ‘”. Em repressão a essa reportagem assinada pela jornalista Isabela Palhares (7/10), do jornal O Estado de S.Paulo, o ministro da educação, Abraham Weintraub, tenta desqualificar seu trabalho, mobilizando explicitamente seus seguidores a ofender e ameaçar a profissional nas redes sociais.

Odiar jornalistas como faz Bolsonaro e a maioria de sua equipe ministerial não é uma atitude crítica à imprensa. É uma estratégia planejada de fazer política, característica de populismo, que despreza profundamente o rito democrático. Segundo Rosen, no populismo os ganhos políticos se dão pela mobilização de emoções, sentimentos de ressentimento pelas pessoas, que são descritas como perigosas. “O líder promete lidar duramente com esse grupo desprezado e fazer justiça ao povo”.

No caso do Brasil, os “perigosos”, para Bolsonaro e seu governo, são os seus opositores e os jornalistas, que têm como dever principal fiscalizar e denunciar aquilo que os poderosos geralmente querem sonegar da população.

Esses profissionais estão sob pressão constante, tendo que equilibrar a onda de ódio em suas redes sociais, o estresse para ter uma presença efetiva neste ecossistema, na maioria das vezes explicando aos seguidores e assediadores porque publicaram uma reportagem, denúncia etc.

No caso dos jornalistas, o feedback é instantâneo e ao vivo, pelo feed. Isso pode levar à exaustão. Mas nem por isso jornalistas deixarão de fazer o seu trabalho, que hoje passa, mais do que nunca, pelas redes sociais. Algumas redações implementaram diretrizes para jornalistas no uso de redes sociais, visando não comprometer a percepção do público em geral de que jornalistas exercem a profissão com “isenção”.

Uma das vozes dissonantes a essas questões de isenção é a de Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas e professor da Universidade do Texas. Em entrevista recente, falou sobre a utilização de metodologias anteriores ao mundo digital para lidar com as notícias. Para ele, reproduzir numa manchete a falsidade que um poderoso disse “é ajudar a espalhar a mentira” e, ainda, “o jornalismo feito simplesmente com a mesma neutralidade anterior torna-se um amplificador das mentiras, falsidades que os news makers (pessoas que a imprensa acompanha) tentam levar à população”.

Enquanto a linguagem do ódio é lançada num fluxo ininterrupto pela boca e pelo Twitter do presidente do Brasil, o jornalista deixar de ocupar as redes sociais é ceder o controle ao regime autoritário do presidente, que se apropria da linguagem do ódio com intenção de controlar o que as pessoas pensam e como se comunicam.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 140 milhões de pessoas estão ativas nas redes sociais. Destas, 130 milhões acessam as redes pelo smartphone, o que representa 62% da população; e, a cada dez, sete fazem compras pela internet mensalmente. Já não existe sociedade sem internet. É com essa galáxia que jornalistas e a imprensa precisam se comunicar.

Só o presidente Jair Bolsonaro, no Twitter, tem 5,2 milhões de seguidores; no Facebook, existem grupos organizados de apoio a ele – somente em um desses grupos são 50 mil membros. Bolsonaro se vale das redes sociais para fazer comunicados oficiais, na maioria das vezes, excluindo a imprensa, que tem de pautar as inserções do presidente nas redes, para depois publicar notícias na TV, rádio e jornais.

O presidente faz de suas redes uma mídia particular – ele é a mídia. Fala o que quer para um público gigantesco, cativo, alienado, que o segue feito gado rumo ao abatedouro. Na última eleição, houve algo diferente: a distribuição de fake news via WhatsApp. Uma reportagem da jornalista Patrícia Campos Mello para a Folha de S.Paulo traz informações recentes que confirmam, pelo próprio WhatsApp, o uso de envios maciços de mensagens com sistemas automatizados de empresas na eleição brasileira de 2018.

Portanto, quando Bolsonaro faz acusações aos jornalistas e à imprensa em suas transmissões ao vivo nas redes sociais, ele está declarando o seu objeto de ódio aos seus seguidores e fãs. Não é uma atitude crítica, é um ato político simbólico, sem levar em conta quem são os jornalistas e as organizações que representam, nem o histórico, desempenho e trajetória profissional.

Está em funcionamento, no Brasil, um sistema autoritário de censura ao trabalho da imprensa e de motivação do ódio aos jornalistas. Como a presença em redes sociais não é mais um luxo, é uma habilidade, cancelar contas não é uma opção, ainda mais quando Bolsonaro está lá, tuitando o tempo todo. Jornalistas precisam e devem se posicionar em relação aos fatos apurados, influenciar seus públicos, seguidores, sempre pautados pelo compromisso ético profissional.

Eximir-se dessa tarefa é o mesmo que ir à guerra sem armas. A rede social é arena pública de informações e debate e os jornalistas precisam fazer o seu trabalho, deixando a sua assinatura por lá, pois aqueles que acreditam na liberdade da imprensa têm o dever de compreender o que está acontecendo e o direito de se preocupar com uma sociedade democrática.

Estamos perplexos, mas atentos.

*Denise Becker é mestranda no PPGJOR e pesquisadora do objETHOS.
 

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