Conto: O prefeito e o diretor do Saae passaram uma noite em minha casa

Eu, moradora e eleitora de Juazeiro, estava dia desses na minha casa quando recebi uma visita especial. Vieram jantar comigo e minha família o prefeito Paulo Bonfim, Isaac Carvalho que sempre o acompanha e provavelmente será deputado daqui a dois anos e o diretor do Saae, Joaquim Neto.

Eu moro no Alto do Cruzeiro, aqui bem perto do riacho, e fiquei muito feliz com a visita inesperada. Os três senhores chegaram por volta das 18h, mas como não estávamos esperando ninguém, demoramos um pouco para abrir o portão. Enquanto isso, minha vizinha ia chegando e ficaram os três senhores conversando um pouco com ela na calçada. Passados uns três minutos de conversa tocaram desesperadamente a minha campainha, pois algo os incomodava. Ao adentrarem minha casa sentaram-se na sala e minha mãe logo lembrou: "fecha a porta!". Por azar nossos ventiladores deram defeito nesse dia, então avisamos logo o desconforto que
teríamos essa noite, já que eles tinham resolvido dormir aqui em casa.

O senhor Isaac precisou ir ao banheiro e voltou assustado com a recepção: muriçocas voavam por toda parte, impressionante porque o banheiro tem cerâmica branca, estava limpo, com aromatizantes, mas elas pareciam sair da torneira, do chuveiro, do vaso. Ele deu algumas abanadas e elas se recolhiam no teto de laje, mas outras tantas persistiam em tirar-lhe o sossego em um momento tão íntimo. Na sala, Bonfim e Joaquim tentavam puxar um bom papo com a família anfitriã, mas os tapas nos braços também na tentativa de eliminar algumas muriçocas tiravam-lhes qualquer possibilidade.

Resolvemos então que era hora de jantar. Ao chegar na cozinha foi impossível as visitas não presenciarem a arribada das muriçocas da pia, embaixo do armário e algumas sobrevoando a louça e o fogão. Mesmo assustados, sentaram na mesa conosco. Conversa vai, comida vem e entre uma prosa e um garfo na boca eis que o prefeito foi surpreendido com uma muriçoca mais ousada. Foi aquele Deus nos acuda, mas entre enguios e vômitos, o prefeito livrou-se do animalzinho que adentrara sem pedir licença a sua garganta.

Após uma hora de tentativa de conversar com a família acerca da situação do saneamento na cidade, os visitantes decidiram dormir. Na verdade não viam a hora do dia amanhecer e acabar o pesadelo. Nem lembravam eles que seria uma noite sem ventiladores e sem lençóis, já que não suportaríamos o calor e não há mosquiteiros aqui em casa. Cedemos um quarto para os três e lá passaram a noite, sim passar a noite, tirar algum cochilo porque dormir seria impossível. Foram longas horas de desconforto com o calor, aquele zunido no ouvido e picadas estressantes. Tiveram nojo, raiva, se indignaram.

Ao amanhecer, levantaram e já queriam partir, mas minha mãe quis mostrar o quanto de muriçocas havia morta no chão do quarto dela, o único que teve ventilador ligado naquela noite. Tinha também muitas espalhadas pelo chão de todos os cômodos, mesmo sendo uma casa forrada e com telas em todas as portas e janelas. Eu então fiz questão de andar alguns metros, passando em frente a Casa do Menor e mostrei aos ilustres senhores o riacho, sim o que eles achavam que era um canal de esgoto.

Ali mesmo, sentindo aquele odor que só quem mora ali às margens conhece, consegui convencê-los que era preciso assinar uma ordem de esvaziamento de todos os riachos urbanos que cortam Juazeiro e levar o esgoto por tubulação para as estações de tratamento que, segundo eles, já seriam concluídas na mesma semana. Eles também entenderam que os riachos precisam ser revitalizados e jamais cobertos com concreto como aconteceu em gestões anteriores e continua acontecendo.

O prefeito reconheceu que se minha família está entre os 30% do município que paga IPTU, é justo que a gente tenha o direito de comer, estudar, dormir, conversar, etc sem dividir espaço com as muriçocas, sem engolir, literalmente, muriçoca. Mesmo proprietário de empresa de agrotóxicos, até Isaac me apoiou quando eu disse que não quero me render às inseticidas para afugentar os insetos e com isso adquirir inúmeros problemas de saúde.

Naquele momento eu me senti ainda mais juazeirense, porque sabia que meu bairro e minha cidade iam ficar mais bonitos, mais saudáveis e assim eu não ia ter mais vontade de ir embora pra outro lugar. Com o compromisso firmado, todo mundo ia sair ganhando, inclusive o Velho São Francisco que hoje recebe tanto esgoto.

Mas nesse caso, as próximas campanhas eleitorais estariam comprometidas. Como ganhar votos prometendo melhorias para a população que hoje sofre com isso? De repente ouvi uma voz: "Acorde minha filha, hora de ir trabalhar". Poxa! Era um sonho apenas.

Moradora do Alto do Cruzeiro, defensora do direito ao Saneamento Básico.