UM ENCONTRO COM A CULTURA E O PASSADO EM SENHOR DO BONFIM

Estou em Senhor do Bonfim e passeio pelas velhas ruas da cidade. Carrego comigo um cabide cheio de memórias. Entre um passo e outro, recito frases de uma antiga canção de Roberto Carlos. Acho que toda, ou quase toda pessoa lúcida que viveu nessa minha época, ao passar pela avenida do tempo, pode encontrar com esses degraus melodiosos. Dizia assim o poeta " HOJE EU ME LEMBRO COM SAUDADES O TEMPO QUE PASSOU, O TEMPO PASSA TÃO DEPRESSA, MAS EM MIM DEIXOU... etc, etc".

Hoje é o aniversário da minha cidade, da minha querida Senhor do Bonfim.

Fujo da memória, mas ela me persegue. Agora mesmo, não sei por que, talvez porque o vento sopra onde quer, pula no meu pensamento um inesquecível e enriquecedor encontro que tive com o meu saudoso Pai, o poeta, escritor e trovador, A de Carvalho Melo, aqui em Senhor do Bonfim. Não me recordo exatamente o dia. O ano parece que foi por volta de 1983 ou 1984. O fato é que não esqueci jamais as figuras impressionantes que faziam parte do seu cotidiano e lhes acompanhavam como uma bênção de Deus naquele sobrenatural encontro.

Eram pessoas extraordinárias que não se vêm normalmente a todo dia. Eram Dr. Nequinho, Mario Jambeiro e Lamartine. O mês era maio e já, em tudo, se apresentava no ar, as características das festividades dessa ocasião, que preenchem o coração do sertanejo de profunda nostalgia. As lojas estavam enfeitadas com motivos pitorescos e os carros de som já anunciavam os folguedos dos santos mais populares nas novenas e trezenas.

Lamartine, um homem instruído e bem-falante, apresentou-me, com uma impressionante narrativa, um rápido resumo da história militar da humanidade, com um ligeiro passeio pelo Cristianismo e a história da resistência dos Zelotes ao domínio Romano sobre o povo Judeu. Dr. Nequinho, com um escorreito apurado e perfeito linguajar, falou acerca do surgimento da Vila Nova da Rainha e sobre como os tropeiros se acampavam as margens da conhecida Missão do Sahi e como se desenvolveu a nossa terra do bom começo. Até hoje trago viva na memória a ênfase e a sua aplicação no conhecimento histórico sobre tão especial assunto. Seu Mario Jambeiro, com a sua fala disciplinada, tendo sempre às mãos uma cadernetinha de anotações, falou-me sobre equipamentos indispensáveis ao trabalho de um operário. Disse-me da indispensável precisão da régua, do compasso, do malhete e do cinzel, sobressaltando a importância do uso de cada um na medida exata. Com esses exemplos do dia a dia, me enriqueceu com uma imorredoura aula sobre respeito ao próximo, disciplina, ética, didática, e qualidades úteis para todos que desejam praticar os bons costumes em uma sociedade livre.

Terminado aquele encontro, não dei, na mesma hora, a importância singular que o fato exigia. Não fiz sequer uma fotografia para, pelo menos hoje, exibir como um troféu, gabando a minha presença em companhia de tão dignos senhores. Só agora percebo, quando a distancia já põe um pouco de cinza sobre as cores, quanto, não somente eu, mas toda uma geração, deveria se curvar, em gratidão, perante esses homens, por quanto nos representaram aqui, e além-fronteiras.

O velho Carvalho Melo, meu pai, quase nada falou nesse encontro, até porque seria desnecessário, já que me havia dado, antes, a escada necessária para ouvir e compreender o que cada um daqueles doutos senhores me apresentava. Além de tudo, a abundância de informações, era um ensaio inicial para mim.

No primeiro dia útil, voltei para as minhas atribuições, mas nada me fugiu da memória.

Agora, como já disse no início, caminho sozinho pelas mesmas ruas, e passeio por memórias semelhantes às daquele longínquo tempo. Trago, todavia, os olhos embaçados por lágrimas que insistentemente brotam. Os meus cabelos já estão embranquecidos e Carvalho Melo, Lamartine, Dr. Nequinho e Mario Jambeiro já não estão aqui comigo. As pessoas passam, mas eu não as vejo, enxergo somente as figuras dos meus velhos e sábios amigos. A visão está turva, mas a memória felizmente não falha, e traz para mim, minuto após minuto, os encantos daquele grandioso dia, obrigando-me a convidar a todo o povo bonfinense a homenagear comigo, a eles e a todos os homens e mulheres que moldaram nos fornos do tempo esse rico legado de exemplo de amor e dedicação a essa terra que tanto amamos. E ainda recitando Roberto Carlos podemos voltar a dizer. " Velhos tempos, belos dias."

VIVA SENHOR DO BONFIM!

Deraldo de Carvalho Melo - Coronel da Reserva da PMBA - Natural de Senhor do Bonfim - BA

Enviado pela Ascom do 6° BPM