Cada dia a gente ouve a voz do rio São Francisco mais baixo, diz pescador

Emocionado ao falar da eminente morte do Rio São Francisco, o pescador sergipano e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Damião Rodrigues desabafa: “cada dia a gente ouve a voz do rio mais baixo, a gente não vê ele cantar nem mais ouve a sua voz a conversar com a gente da forma que conversava antes e, com isso, a gente vai lamentando e vai morrendo junto com ele. Mas a gente vai continuar lutando pra um dia ver o rio voltar a falar alto, ouvir mais forte o barulho das suas águas, porque o sangue que corre no rio São Francisco é o mesmo que corre em nossas veias”.

A possibilidade de ver o rio que há anos alimenta gerações e faz parte da vida e do imaginário popular morrer aterroriza comunidades ribeirinhas de pescadores, indígenas e vazanteiros. Isso porque a ação nociva dos homens tem contribuído para que, além de mudar o seu curso, o rio mingue por conta do desmatamento, poluição e extração irregular de suas águas seja para irrigação, mineração ou geração de energia.

“Eu nem quero pensar no rio morrer porque quando a gente pensa tem até sonho ruim. Mas eu acredito muito em Deus e sei que ele não vai esquecer da gente e nós ainda vamos ver ele com água”, diz emocionada a pescadora Alice Borges que mora na cidade de Juazeiro (BA), no médio São Francisco.

Sobre o assunto, o ecológo vegetal e professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), José Siqueira, alerta: “Há um blackout histórico em Sobradinho que já não está funcionando nenhuma turbina. A gente está no auge do período seco. A previsão de entrar em dezembro num volume morto de Sobradinho, como nunca se viu na história”. 

Ao longo do percurso de 2.800 quilômetros em que atravessa os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, o rio São Francisco tem sido vítima de diversos crimes ambientais. No Alto São Francisco, que vai das cabeceiras até Pirapora (MG), a extração de água por mineradoras tem secado nascentes e córregos. O rio Paracatu, um dos principais afluentes do Velho Chico, está com o leito seco e é atingido pelo derramamento de arsênio - material tóxico liberado na extração de ouro. Segundo moradores da região, os efeitos no metal liberado na mineração é o aumento no número de casos de câncer.

Elka Macedo - ASACom João Ripper, André Fosseti