Fricote, acordes e baianidade: Luiz Caldas chega aos 60 anos como revolucionário do Axé Music

E fez-se o som. E dele, os acordes. E com pés descalços, unhas pintadas e muito deboche, fez-se o Axé. E não haveria ninguém além de Luiz César Pereira Caldas, ou apenas Luiz Caldas, para conduzir pelos quatros cantos do Brasil, e pelo mundo, um ritmo genuinamente baiano. Nesta quinta-feira (19), o pai do Axé Music festeja 60 anos.

Com história, alegria, baianidade e deboche, o menino Luiz saído de Feira de Santana, cidade a 100 quilômetros de Salvador, celebra idade nova com mais de 50 anos de carreira no papel de um libertador de ritmos, uma espécie de revolucionário do Axé.

Na história da Bahia, a cidade de Feira de Santana tem o protagonismo de quem nasce fadado a revolucionar, a mudar. A histórica personagem Mária Quitéria, uma das heroínas baianas da luta pela Independência do Brasil na Bahia é a representação maior dessa máxima. Mas se coube a ela pegar em armas, coube a seu conterrâneo, Luiz Caldas, revolucionar por seus acordes.

Ao longo da carreira, Luiz contou diversas vezes que o surgimento da sua relação com a música veio muito cedo. Aos quatro anos, em Feira de Santana, ele costumava sentar na cozinha e assistia a mãe, Zuleika, em seus afazeres. Enquanto isso, eles ouviam música. Luiz diz que ficava paralisado enquanto ouvia aqueles sons que saía do rádio.

Erro que impediria o mundo de ter a genialidade de Luiz Caldas. Por isso mesmo, Luiz começou cedo, mas antes rodou pela Bahia. Em parte, por conta da transferência do pai, Durval Caldas, que era policial rodoviário, para Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia.

Foi na "Suíça baiana" que Luiz começou a observar o irmão Durval Ângelo após aulas de música. Mas cumprindo o destino de quem está veio para mudar, Luiz se tornou autodidata. Tirava "de ouvido" as músicas que ouvia na rádio e fez da rua a sua melhor escola musical.

Aos sete anos, veio a primeira apresentação e desde então, o menino de Feira de Santana ganhou o mundo. Luiz ainda viveu em São Paulo e no Rio de Janeiro, antes de voltar para a Bahia. A primeira apresentação de carnaval foi ainda em Vitória da Conquista, em 1975. Ele ainda passaria por Ipiaú, Ubaitaba e Itabuna, no sul baiano.

No ano de 1979, Luiz Caldas partiu apenas com um violão para nova aventura no Rio de Janeiro. Ele morou com Mu, Dadi, Armandinho, Ary Dias e Gustavo, o quinteto que formava o grupo "A Cor do Som".

No mesmo ano, Luiz gravaria, com a banda de amigos, a guitarra na canção "Abri a porta", de Gilberto Gil e Dominguinhos, no disco "Frutrificar". O instrumento emprestado de Armadinho marcou ponto no disco histórico e voltou com Luiz para a Bahia, em um novo retorno ao sul do estado.

Foi no mesmo 1979, que Luiz Caldas assinou contrato com o grupo Tapajós e partiu com destino a Salvador para integrar a banda do trio Tapajós. No começo dos anos de 1980, veio "Ave Caetano", disco de estreia que colocaria Luiz em destaque no cenário local. Em 1982, ele passou a puxar o bloco Traz os Montes no Carnaval. O tradicional Camaleão também foi puxado por Luiz. A partir daí, o resto é história. É carnaval. É revolução em curso.

O disco "Magia", de 1985, todo gravado no histórico Estúdio WR, do empresário Wellington Rangel, foi comprado pelo produtor e empresário Roberto Santa' Anna. O estúdio seria a incubadora do Axé Music, e mais tarde, "Magia" seria considerado "marco zero" do Axé, apontado como obra que inaugura o gênero musical.

A revolução já era plena. Nos anos seguintes, o ritmo teria papel revolucionário no mercado fonográfico brasileiro. Liderado por Luiz Caldas, o Axé passou a dar aos baianos a oportunidade de fazer o caminho inverso dos grandes nomes da música e, fazia da Bahia um polo cultural sem a necessidade de que os artistas estivessem no sul do país para fazer sucesso.

O celebrado disco "Magia" tem entre as canções "Fricote", que ficou conhecida por "Nega do Cabelo Duro". A canção em ritmo de "deboche", faz referência ao ato de debochar do baiano de Salvador. O sucesso foi estrondoso.

Anos depois, como artista que se mantém atual, Luiz admitiu que atualmente não faria a música. A letra é considerada polêmica. Longe de fugir do assunto, o artista baiano admitiu, durante as comemorações dos 50 anos de carreira, que a canção tem problemas, mas também ressaltou o astral positivo da composição.

"Hoje existe o politicamente correto e, às vezes, necessário também. Eu não escreveria essa canção hoje, a letra desta forma, mas existe e faz parte da história. É superalegre e positiva."

A música levou Luiz a se tornar presença marcante em programas de auditório e em show por todo Brasil. De pés descalços, unhas pintadas e um remelexo único, o pai do Axé pedia passagem para fazer história e fez.

Em 2009, a "trajetória de vida de Luiz Caldas" se tornou dissertação de mestrado na Universidade Federal da Bahia, de autoria do pesquisador Antonio César Silva e Silva.

Entre o final dos anos 90 e o começo dos anos 2000, Luiz precisou se reinventar e fez isso em grande estilo. Com um projeto iniciado em 2010, ele passou a gravar discos de estilos diferentes com canções autorais e inéditas. Com pausas e retomadas ao longo dos anos seguintes, Luiz passou a lançar discos mensalmente.

O projeto ganhou reconhecimento internacional. Em 2021, ele foi indicado ao Grammy Latino de melhor álbum de música de raiz em língua portuguesa pelo álbum "Sambadeiras", que homenageia o samba de roda. No ano seguinte, Luiz foi indicado novamente na mesma categoria, desta vez com o álbum de forró "Remelexo Bom".

Luiz Caldas definiu o encontro com diversos ritmos como uma nova oportunidade de crescimento na sua carreira já consolidada e vitoriosa.

"Em nenhum momento abandonei minha carreira de cantor de música dançante, pelo contrário, só fiz agregar mais história à minha história", disse.
Luiz Caldas ainda tem na sua trajetória uma marca forte da palavra parceria. Seja na infância e adolescência ainda no interior da Bahia, ou entre os amigos que fez entre idas e vindas ao sudeste do país. Diversos irmãos feitos através da música.

Em grupo, Luiz esteve ao lado de Sarajane, Silvinha Torres, Paulinho Caldas, Carlinhos Marques, Alfredo Moura, Cesinha, Tony Mola e Carlinhos Brown, na banda do estúdio WR, e que juntos formariam a base do histórico Acordes Verdes, grupo musical de sucesso nos anos de 1980.

Outros nomes chegaram e se fortaleceram na vida de Luiz: Armandinho, Saulo, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Durval Lélys, Moraes Moreira, Paulinho Camafeu, Gerônimo, Ricardo Chaves, Gilberto Gil, e tantos outros, além do parceiro de muitos carnavais, Carlinhos Brown.

Nesta quinta (19), Luiz celebra o aniversário com um show na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, onde reforça e celebra a amizade. No espetáculo dessa noite, ele vai receber Carlinhos Brown, Ivete, Durval e Armandinho, em um encontro que além de festejar o artista, enaltece o próprio Axé Music.

“Luiz não se nega a aprender, não se nega a criar. Cria o tempo inteiro. Busca, dentro da sua criatividade, ser colaborativo. Tem muita calma. Ele é tão respeitoso, respeita tanto as coisas, tanto a natureza. Luiz é tão especial, além de ser um exímio músico. Não é à toa que ele foi escolhido para ir na frente. Ele foi de pés descalços, para que todo mundo tivesse como calçar a própria estrada”, elogiou Brown.

Sozinho, em grupo, com a voz, ou com seus acordes, Luiz Caldas é a representação de uma Bahia festiva, alegre e debochada. Passeando por ritmos de um país que é multi, Luiz é a representação de um Brasil híbrido, misturado e que dá certo. Luiz Caldas é a revolução musical que não se esgota e garante que sempre "haja amor"!

g1 Ba Foto reprodução