Sobre A Lida dos Anos de Antonio Carlos Tatau

Por Angelo Roncalli

Desde o lançamento do álbum “A Lida dos Anos” de Antonio Carlos Tatau,  ouço (sem parar) as canções, e tento dizer algo, mas ao mesmo tempo-espaço-circunstância, invado-me (ou evado-me do dizer ?) de silêncio. Meu silêncio é úmido e salgado. Minhas lágrimas me dizem tudo. Mas este disco não merece a solidão do pensamento. Merece o movimentar das ondas do mar. Merece o sal. Merece o arder da lã na fogueira. Merece Tudo. Merece o doce do rio. O riso de embarcar. O risco da Lida. O lidar.

Nasci em 1976. Ano em que Tatau se afastou da carreira artística. Nascemos na mesma cidade. E ter descoberto a Geração dele, ainda menino, influenciou completamente a trajetória de meu gosto pela arte, minha forma de perceber as coisas e o rumo de minha vida.

A Geração Artística de Tatau em Juazeiro/BA não é composta por artistas, é constelada por eles. Minha relação com alguns deles é de exagerada admiração, com laços afetivos fortes, de amizade e amor. Venho falando deles ao longo dos meus textos, nos últimos 25 anos. Em um dado momento, ocorreu a diáspora da simbologia do Grupo Êxodus para Geração de Tatau. Mas o arcabouço artístico não se perdeu, foi plantado, e deu colheita e outras colheitas...

Tenho escutado ‘A Lida dos Anos’ sem parar. Para poder dizer o que o silêncio me propiciou e a lágrima temperou. No disco de Tatau, o que há de temporal ali não é fruto do comum. A lavra da apresentação de Tatau sempre presenteará o cultivo de suas fontes bossanovísticas & joãogilbertianas, um dizer sobre ele sempre remeterá às origens juazeirenses, ou ao tardio lançamento da obra no auge de seus 61 anos. Mas os Anos desta obra são importantes no sentido da Lida. A Lida de Tatau é mais incrível que o tempo. É um trabalhar árduo, minucioso, no detalhe do detalhe, no brilho do talhar, propenso à loucura. Não é um lapidar. A obra já nasceu pedra preciosa, lapidada, exposta à luz, depois de ter atravessado os caminhos, os êxodos, exílios. É a Lida que ensina, subverte, recria. São chicotadas ao encontrar uma fagulha de uma palavra ou de um acorde em desacordo com o que passaria despercebido a bilhões de seres humanos. Mas não passa. O olhar do Lidador é atento. Seu ouvido é auditor do que a palavra e o acorde podem realizar de mais belo. E Tatau realiza.

A Lida dos Anos é um dos discos mais simples e complexos que já ouvi. Tudo é simples: a voz belíssima de Tatau; os violões bem tocados; o prazer existencial do mano Luizão Pereira no plantio, tratos e lançares de ônibus espaciais na possibilidade do realizar; o riso farto & amplo do tocar e amplificar sutilezas de Zé Manoel; a beleza de cada instrumento tocado neste disco, por cada um dos músicos que participaram desta obra. Primatia. Primazia. Prima!

A complexidade deste disco é saber ouvi-lo e poder sentir tudo que ele representa. Não só para Tatau, ou para sua Geração, ou para uma Juazeiro. Quer seja do passado, do presente ou do futuro. A complexidade deste disco é saltar o tempo, é não fazer o desenho do espaço. É intuir a Lida deste cara. É intuir o enxerto da música de Tatau e com a poesia de Expedito. E a música de Expedito com a poesia de Tatau. Neste ponto específico, pra mim, pauso o escrever e choro. Sei como os dois estão se sentindo. Neste momento, podemos evocar o tempo e o espaço (quando ainda não existiam as palavras), e este sentir sob a gênese da expansão, é a espécie.

Esta espécie, sob a fera da existência, me diz em segredo que algumas coisas boas serão eternas sim: A Lida dos Anos. A Vida dos Planos. O Romper dos Silêncios. Dissonância. Ruptura. Interferir na Vida de Pessoas. De uma Pessoa Especificamente. De um Poeta. Que aprendeu a fazer poesia por causa de vocês.

Esta é a Lida!

Angelo Roncalli, 41, Escritor, [email protected]