Artigo: Perturbação do sossego. E agora, o que fazer?

*Ulisses Augusto Bittencourt Dalcól

Pense bem, você tem ou já teve problema com barulho em sua vizinhança? Seja maquinário de uma empresa, seja um animal de estimação que não para de latir ou um vizinho que adora uma festa, mas não se importa com outros.

Por incrível que pareça, no Brasil isso é um delito de menor potencial ofensivo, como se diz no meio jurídico, mas passível de punição. Vejamos o que diz o artigo 42 da Lei de Contravenções Penais:

Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:

        I – com gritaria ou algazarra;

        II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

        III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

        IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:

        Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses ou multa de duzentos mil réis a dois contos de réis.

E quem já viu alguém ser punido por isso? Realmente é difícil encontrar algum caso, uma vez que raras são as vezes em que o Estado está presente para impedir a continuidade delitiva do indivíduo.

A dificuldade em buscar a tutela do Estado, através da Polícia ou mesmo do Judiciário, é um dos maiores obstáculos à mudança de hábito de algumas pessoas. É a ligação que nunca é atendida, a viatura que nunca aparece, o processo que prescreve pela demora. Estes são alguns dos problemas enfrentados por aqueles que querem apenas o seu sossego de volta.

A Lei de Contravenções Penais é voltada a uma realidade que não é mais a nossa, ela é da década de 40, muito daquele instrumento já nem vale mais. E o Código Penal, nem mesmo trouxe algo que pudesse acalentar o mais desesperado por uma solução quando há a perturbação de seu sossego em seu lar.

Não há que se falar em pedir com educação, evitar chamar a Polícia ou qualquer outro meio que não seja a exposição da vítima, pois diversas são as vezes que esse enfrentamento gera conflito e problemas ainda maiores. Lembremos que a autotutela não deve ser exercida num Estado democrático de Direito. Ele está aqui para nos defender e nos cobrar, não havendo razão qualquer para alguém aconselhar em falar com o indivíduo que está em executando a ação delitiva.

A Polícia tem o seu papel, e é fundamental nesse, e nos demais crimes. Sim, é um crime de menor potencial, mas ainda assim é, e como tal deve ser combatido pelo Estado. A Polícia ao não atender está se omitindo de seu papel, gerando a responsabilidade objetiva do ente estatal e por fim causando dano que merece indenização.

Sim, a omissão do Estado gera ao cidadão que não é atendido, e que tem o dever de autotutela, direito à indenização. Todos buscam um advogado, e milhares são os artigos e notícias que tratam do assunto, sem nem mencionar o papel do Estado e as consequências de sua omissão.

Assim sendo, cabe à Polícia inicialmente acabar com o delito, realizando a abordagem, confeccionando termo circunstanciado e advertir o indivíduo que, uma vez determinada a proibição de causar perturbação à ordem pública, será preso pelo crime de desobediência. Se nada assim ocorrer, é possível buscar o Ministério Público, que possivelmente não terá tempo hábil nem pessoal para atender esse assunto, procedendo assim, será mais um caso de omissão do Estado.

Há a possibilidade de ajuizamento da ação penal subsidiariamente da pública, através de um defensor público ou advogado particular, mas isso dificilmente resultará, uma vez que, provavelmente, o prazo para a apresentação da ação estará prescrito.

O que deve ser feito é incumbir o Estado de suas atribuições, chamar a Polícia, visitar promotores, falar com vereadores, buscar o Estado de todas as formas possíveis, para daí sim, não havendo aquele tomado as providências necessárias para que o ato delitivo cesse, será responsável objetivamente pela sua omissão.

Somos todos cidadãos de obrigações e direitos, e para isso é que temos como órgão maior e interventor o Estado, e dele devem partir as soluções para as contravenções e crimes, não cabendo encargo às pessoas de bem, que buscam apenas trabalhar e curtir seu lar.

*Ulisses Augusto Bittencourt Dalcól é advogado OAB/RS 79.507, proprietário do escritório Dalcól Advogados, com atuação no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.