O Exército tem credibilidade, leva água para 4 milhões de nordestinos, não há espaço para os militares participarem de um regime totalitário, diz alto comando

Como o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) sinalizou, durante a campanha, que terá vários militares no seu ministério — ele próprio é capitão reformado e seu vice, general —, as Forças Armadas vão ganhar protagonismo no futuro governo nunca visto no período democrático do país. Não que isso, necessariamente, agrade ao alto-comando. Integrantes do Exército tentaram blindar a imagem da instituição, descolando-a da de Bolsonaro, por temerem perder a confiança da população num eventual fracasso do novo governo.

Apesar de ser capitão, o presidente será o comandante supremo das Forças Armadas. No núcleo da Defesa, no entanto, a expectativa é de que a corporação continuará prestando o serviço de contribuir com a expertise na engenharia, ciência e tecnologia, e de manter as missões operacionais. “A instituição tem credibilidade junto à população. Leva água para 4 milhões de nordestinos, atende à saúde na Amazônia. E a geração que foi formada vem de outro ambiente, mais conciliador. Não há espaço para os militares participarem de um regime totalitário. Esse risco é inexistente”, assegura um alto-comandante do Exército.

Nos bastidores, há consciência de que o candidato de certa maneira surfou no prestígio que as Forças Armadas conquistaram. “Houve uma transferência de votos para Bolsonaro, mas não queremos a responsabilidade de estar junto”, garante um militar da Marinha. Segundo ele, a força quer exercer seu papel constitucional, “sem interesse, estratégia ou projeto de assumir uma gestão” no governo federal. “Existem oficiais da reserva, que, como cidadãos, participarão do governo. Se alguém da ativa for escolhido, pode pedir licença por dois anos. Se passar disso, é transferido automaticamente para a reserva”, explica.

Na opinião dos integrantes do alto-comando, a margem apertada de diferença de votos também vai obrigar o capitão reformado a dialogar mais, sem espaço para decisões autoritárias. Os especialistas, contudo, têm opiniões diferentes sobre o papel das Forças Armadas no próximo governo.

Para Arthur Trindade, ex-secretário de segurança do Distrito Federal e ex-militar, é necessário entender as Forças Armadas como corporação, instituição e grupo social. “São coisas distintas. Como grupo social, os militares vão ocupar muitos cargos no governo, porque é um governo vazio. Não é culpa do Bolsonaro. Os partidos não têm quadros para mobiliar uma máquina”, ressalta. Nesse aspecto, Trindade diz que a expertise militar pode contribuir muito para pastas na área de infraestrutura. “Agora, vai causar mal-estar, porque não tem vaga para todo mundo. Isso pode gerar atrito interno”, diz.

Enquanto instituição, ressalta o especialista, o Exército conquistou um prestígio social a que não se assistia desde a década de 1970. “Isso está preocupando os militares, mas eles deixaram o Bolsonaro colar demais. A instituição pode estar sendo posta em risco, porque tudo de ruim que ocorrer vai para a conta dos militares também. E o alto-comando está pessimista quanto ao governo do Bolsonaro em termos econômicos”, analisa. Apesar disso, Trindade avalia que as forças não foram enfáticas em cobrar que o Bolsonaro não os representa.

“Serão cinco generais no governo. Daqui a um ano vai ter mais de 200 militares e vai ficar cada vez mais difícil desvincular a instituição. Ainda no quesito institucional, o maior drama é quem ocupará o cargo de comandante do Exército com o general Augusto Heleno como ministro da Defesa e homem mais poderoso da República?”, indaga.

Outra agenda de atrito é a corporativa. “A reforma da Previdência pode elevar a idade mínima dos militares. Se não incluir militares e policiais militares, que interessa para os governadores, não vai ter reforma, não vai servir para nada, e Bolsonaro sinaliza manter os privilégios”, assinala.

Por último, Trindade ressalta que o presidente eleito não tem nada a dizer sobre a polícia, porque suas pautas são legislativas (desarmamento, redução da maioridade penal). Ou seja, vai continuar a pipocar greve e ele terá de colocar o Exército cada vez mais dentro da Segurança Pública”, argumenta.

Correio Braziliense